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  • Júlia Marto e Sabrina Damas

Amigas de infância descobrem que são irmãs pelo Facebook do pai

Atualizado: 5 de dez. de 2020

Meninas se tratavam por “irmãzinha”, mas só uma delas sabia do parentesco

 

A química Daphne Ferro não imaginava que uma amizade em comum nas redes sociais poderia mudar a história de sua vida. Ela cresceu brincando aos finais de semana com a amiga Grazziela da Silva, apenas um ano mais nova, encorajada pelas mães, que as deixavam juntas enquanto praticavam dança do ventre em um estúdio em São Paulo. Anos depois, Daphne foi a última das famílias a saber que Grazziela era, na verdade, sua irmã.


Primeiro aniversário da Grazi (dir.), em 1998.

Da esquerda para direita: Mônica com Daphne no colo, e Mercedes com Grazi.

 

“A memória mais antiga da gente é quando eu tinha uns três, quatro anos. A gente sempre se via aos domingos, que era quando tinha ensaio no estúdio”.

 

A descoberta aconteceu em 2016, quando Daphne, então com 20 anos, decidiu buscar mais informações sobre outro membro da família: o pai, que não havia sido presente em sua criação. A identidade do genitor era um assunto ignorado em casa, uma vez que a mãe, Mônica, não se pronunciava sobre o relacionamento que teve com ele, e a avó não poupava criatividade para xingar o provedor todos os dias.


Daphne sabia, na época, que tinha outros irmãos além do caçula Fabrizio, mas não imaginava já conviver com um deles. Ela lembrava de ouvir a avó dizer “eu conheci sua irmã”, e ignorar pensando que a senhora estava perdendo a razão. Ao mesmo, se desesperava: e se fosse verdade, e se ela tivesse um milhão de irmãos perdidos no mundo?


O mistério durou até Daphne dizer chega. Resolveu ir atrás do seu pai porque ninguém falava ou lhe dava uma informação. Até certo ponto, concordava com o xingamento, o sujeito não foi uma pessoa presente na sua vida, mas Daphne queria entender o contexto histórico da situação. Sem vontade de se reconectar de verdade, até para não passar raiva, ela mergulhou em uma busca por saber o que aconteceu entre os pais.


 

“Descobri o nome dele pelo livro do bebê, e fui no Google e Facebook. Como ele tem um nome nada popular, deu pra achar bem fácil”.

 

Seu pai, ela descobriu, era o bailarino Daioner Romero, antigo professor de Mônica e da amiga Mercedes - a mãe de Grazzi. Daioner já possuía outra família antes de se envolver com Mônica, e na segunda traição resultante em gravidez durante o curso do relacionamento, ela decidiu se afastar. Mônica estava grávida do segundo filho com ele, irmão mais novo de Daphne, que não teve nenhum contato com o pai.


Ao procurar por Daioner nas redes sociais, um detalhe deixou Daphne perplexa: o pai ausente não só tinha mais de uma conexão em comum com ela, como um dos conhecidos mútuos era ninguém menos que a amiga de infância Grazziela. A última vez em que as meninas tinham se visto foi no aniversário de 12 anos de Daphne. Na época, ela recorda, era sempre tratada por irmãzinha pela amiga. Achava que era brincadeira por ambas serem negras. A mãe e a própria Grazzi sempre foram muito gentis com Daphne, que achava curioso, mas associava aos anos de convivência. Ela ainda não havia ligado os pontos.


Da época em que o pai dava aulas às mães das meninas restam ainda outras “testemunhas”, às quais Daphne recorreu para confirmar suas suspeitas acerca da paternidade. Apresentou o perfil de Daioner e, confirmado o envolvimento com a escola de dança que sua mãe frequentava, contou que achava ser ele o seu pai biológico. Quando é pedido que ela descreva a imagem que tem do pai, Daphne responde: “Dreads”. E segue: “impulsivo, egoísta, insensível, boina, barba, das artes, negro e baixo”.


Mas não era a identidade dele a maior revelação que Daphne teria. Um dia, a pessoa de antes estava bêbada, e a moça calculou que, se quisesse saber algo sobre o pai biológico, era para perguntar naquele momento. Então ouviu que primeiro de tudo, tinha que saber que a Grazziela era sua irmã.


 

Bem diferente da televisão

“Eu não sabia que ela não sabia que era minha irmã”, conta Grazziela. Desde pequena, ouvia a mãe, Mercedes, contar que seu pai tinha cinco filhos, o que a deixava perplexa - cinco parecia muita coisa. Ao perguntar quem eram seus irmãos, ela escutava que tinha três mais velhos, filhos do pai com uma mesma mulher, e depois vinham Daphne, ela mesma e Fabrizio. Todas as vezes que se preparavam para o encontro semanal no estúdio, Mercedes dizia: "vamos ver a Daphne, ela é sua irmã”, “sua irmã vai estar l á”. Como Grazzi sempre soube, era muito claro para ela que Daphne também saberia.


“Acaba não sendo um espanto a Daphne ter descoberto 20 anos depois, porque sempre comentavam que alguém próximo dela não gosta da gente. É óbvio que não iam contar pra você que eu era sua irmã”, ela afirma, se dirigindo a Daphne pela tela da conversa virtual. As duas estão sem se encontrar desde o início da pandemia, mas seguem conversando como e quando podem. Um dos motivos de seu afastamento, para Grazzi, foi um ressentimento direcionado a qualquer assunto tangente ao pai, que incluía seus irmãos.


“No início ele até era presente na minha vida, e está em muitas fotos dos meus aniversários”, relembra. A relação próxima não durou nem com a parceira, nem com a filha. Ela não sabe o que aconteceu e nunca perguntou para a mãe, mas eles se afastaram. Sempre soube quem era o seu pai, que ele era bailarino da academia da minha tia, mas ela nunca teve interesse em buscar mais.


Os dois só se reencontraram quando a menina tinha os oito anos, e a família decidiu reivindicar o direito a receber pensão alimentícia. Grazzi voltou a ver o pai em encontros para ir ao cartório e discutir a documentação. “Tivemos que colocar o nome dele no meu, sempre quis ter um nome grande. Nessa época a gente até teve contato, o que eu achei incrível. Mas, ao mesmo tempo, não queria uma relação”, conta Grazziela.


O motivo? “Porque eu ficava com raiva. A vida inteira eu não tive ninguém por mim, e você quer chegar e ficar na janelinha?”. Depois de acertada a inclusão do sobrenome de Daioner no nome de Grazzi e o valor da pensão devida, segundo ela, o pai sumiu de novo. Pagava três meses e depois parava, até que a mãe Mercedes ameaçasse prisão, ao passo que ele voltava a ligar e visitar. O ritual se repetia ao longo dos anos, e, mesmo com o vínculo reconhecido, o encontro entre pai e filha era esporádico.


Grazzi chegou a assistir a um dos espetáculos de dança do pai, no qual conheceu um dos “irmãos mais velhos”. “Foi a primeira e única vez que o vi. Eu lembro de ficar nervosa. E assim, o cara era adulto né, ele tava cagando”, ela conta. A curiosidade, diz Grazzi, passa rápido, e os laços de sangue não constroem o essencial para qualquer relacionamento, fraternal, paternal ou de outra natureza: a identificação. “O que eu conversaria com essas pessoas? O que eu perguntaria?”.


Depois da reaproximação, as irmãs celebram juntas.

Daphne (esq.) fantasiada de sereia com sua irmã Grazi (dir.) curtindo o Carnaval de 2019.

 

Não é como a gente assiste na TV, que as pessoas que não se conheciam e descobriram que eram irmãos veem uns aos outros e choram”.

 

Nessa época, Grazzi e Daphne já haviam se afastado, o que não a perturbava muito, mesmo estando ciente do parentesco. “Meus tios ficavam ‘E a Daphne?’, e eu ficava ‘não sei’. Eles sempre falavam ‘ você tem que ter uma relação com sua irmã, tem que falar com ela’. Eu respondia ‘ que falar com a minha irmã o que’. Nesse período de sua vida, ela conta, qualquer relação com o pai era suficiente para ela encerrar o assunto.


Mas, chegou uma hora em que Grazzi mudou de opinião. Por que não falar com as pessoas?, ela se perguntou. Seu primeiro passo foi adicionar Daphne nas redes sociais, pelas quais se comunicavam somente em aniversários e datas importantes: “Sempre desejava feliz aniversário, começamos a interagir um pouco mais, comecei a tomar mais consciência”, completa. De acordo com Grazzi, a essa altura ela não estava em busca de uma relação de irmã, mas queria tentar manter algum tipo de contato entre as duas.


Até que um dia, Daphne puxou assunto sobre o pai das duas e elas marcaram de sair. Grazzi soube então que a velha amiga e irmã não sabia de nada, e tinha descoberto o parentesco há pouco tempo. “Foi um choque pra mim. Mas, foi legal saber que, a partir daquele momento, poderíamos estreitar nossa relação”.

 

Minha vida é um litro aberto

A ocasião era o aniversário de uma amiga de Daphne, e a pauta do momento, seu pai biológico. Daphne começou a se sentir nervosa. Esse era um assunto que ela não sabia lidar muito bem, uma polêmica em sua vida. Tinha decidido não beber naquele dia. Não demorou muito, mudou de ideia. Depois de descobrir sobre a irmã e a verdade sobre a relação dos pais - contada de maneira descontraída enquanto ela ouvia com crescente desconforto - ela decidiu: “vou beber, vou beber pra esquecer”.


Acabou ficando até o bar fechar. “Me veio na mente a Grazzi me chamando de irmãzinha, tudo voltou. Entrei em contato logo depois e marcamos de sair, mas isso foi só em setembro. Eu fiquei nove meses processando que ela era minha irmã também.”

“Senti que minha vida era uma mentira, me senti traída pela minha mãe. Ela não falar sobre meu pai biológico era uma coisa, mas não dizer que a menina era minha irmã foi muito mais grave.”


Hoje, as duas têm uma ótima relação. Quanto ao irmão mais novo de Daphne, e portanto irmão de Grazzi também, não houve grande atrito. “Ele aceitou bem, ainda preciso dar os detalhes porque ele não quis saber por enquanto”. A notícia veio para ele dois anos depois.

Até então, poucas pessoas da família de Daphne sabem. “Eu não gosto de falar muitas coisas pra minha família sobre a minha vida, essa é a verdade”, declara, ”a minha avó é uma pessoa muito difícil então sobre essa questão não tem conversa. Já a minha mãe sabe que descobrimos a história e até hoje ela não se pronunciou”.


Se pudesse conversar com sua mãe, Grazzi gostaria de saber se era planejado algo mais sério entre o casal. “Não tem muita coisa que eu não saiba. Eu era bem curiosa quando pequena e tinha umas cartas soltas pela casa. Como eu lia, meio que sei que eles não namoravam”, revela. Daphne, ao contrário, já tem informação o suficiente: “eu não sei profundamente o que houve, então eu respeito. Não houve um afastamento nem nada. Minha mãe gosta da Grazzi, da mãe dela. Ela ficou ok com isso”.


Com o pai, não têm desejo de conversa. Grazzi conta ter superado a raiva, e não enxerga na ausência do pai biológico uma grande falta em sua vida. Ela sempre foi amparada pela mãe, madrinha e tio, ao passo que Daphne contou com sua família materna, e, há muitos anos, fala de seu avô quando se refere a um pai.


Hoje somando cinco irmãos, elas trocam informações durante a chamada sobre o número exato e o nome dos que já viram ou ouviram falar. Até onde sabem, o pai é presente na vida dos três filhos mais velhos e mantém um relacionamento com a mãe deles. Ele também tem um neto desse núcleo. Se têm curiosidade em conhecer os outros irmãos, filhos do sujeito? “Três tá bom pra mim”, dispara Daphne.

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