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  • Amanda Grota e Nara Faria

Da parede do museu para o feed do Instagram




Como o Museu do Isolamento reflete sobre limites para a produção e o consumo de arte durante e pós quarentena



Basta alguns toques aqui e outros ali para estar cercado de arte. Cores, texturas e poesias compõem o Museu do Isolamento. E é assim que as telas dos celulares e computadores se tornaram, surpreendentemente, ainda mais imersivas.

O caminho de obra em obra é de post em post. Apesar de não vermos ninguém, de repente parece muito fácil entender quem está do outro lado. Para os artistas, tudo é inspiração. Para os outros - sem os dons artísticos, mas com todos os sentimentos acumulados - tudo tem significado. Afinal, dentro de casa não tem para onde correr.

O isolamento social devido à pandemia do novo coronavírus começou, no Brasil, em março de 2020. Instaurado de maneira abrupta, o isolamento trouxe muitos questionamentos sobre como sobreviver, lidar com o mundo e consigo mesmo. A impossibilidade de procurar o entretenimento fora de casa, deixou ainda mais evidente a importância e a necessidade da arte em seus mais diversos significados. Uma das soluções foi trocar as telas de lona, pelas telas digitais.

Luiza Adas, 23, é formada em Relações Públicas, mas sempre se interessou por arte e cultura, e viu no perfil @florindolinhas uma oportunidade de dedicar-se exclusivamente a esse universo. O nome veio da ideia de que “colocar flores nas linhas do mundo torna-o mais vivo”, como disse a criadora do perfil. Para a jovem paulistana, a arte significa o registro do instante. Mas o que acontece quando todos vivenciam um mesmo momento?

Durante esse ano, mesmo que por alguns meses, o mundo todo se encontrou parado no mesmo lugar e foi daí que surgiu o Museu do Isolamento, um perfil de Instagram com a proposta de compartilhar obras produzidas durante esse período.

Idealizado por Luiza, ele foi o primeiro perfil do Brasil a ser criado com esse intuito e já conta com mais de 100 mil seguidores e mais de mil obras publicadas. Em geral, as obras retratam temas cotidianos, pensamentos e reflexões, que materializam a experiência coletiva do isolamento. "Existe uma relação entre a arte que as pessoas fazem e os nosso sentimentos, que são sentidos no coletivo", explicou Luiza. E realmente não tem como passar batido. Pelos nossos cálculos, existem 99,9% de chance de se identificar com pelo menos uma obra exposta do museu.

A psicóloga e seguidora do perfil, Anna Julia Motta Santos, 24, diz que a arte é uma forma de expressar pensamentos, emoções, traumas e todas as impressões que podem demorar de serem ditas, mas que são facilmente confessadas por meio da arte. Ela mesma, como seguidora, conta que se identificou com várias obras. Para ela, “só o fato de a gente saber que tem alguém que sente algo como a gente também sente, já é confortante”.

Mais do que um perfil para difundir a arte, o feed do Museu do Isolamento é um documento. Ao navegar pelo mosaico de imagens e clicar nas artes ali expostas, entramos em contato com todo o tipo de sentimento e expressão. A saudade, a revolta, o medo e a insegurança. É como se ele dissesse "tudo bem não estar bem" e ao mesmo tempo gritasse que isso vai passar.

Para sua idealizadora, não se pode dizer que o sucesso do projeto se deu por um aumento na produção artística durante o período de isolamento. Os artistas independentes sempre estiveram ali, só que antes não era possível visualizá-los de forma clara. Já em questão a sua própria produção, mesmo que não se considere uma artista, Luiza enxergou que a arte pode conectar as pessoas. "Esse período me mostra que a arte de fato consegue conectar a gente mesmo em períodos que a gente não consegue se ver pessoalmente", disse.


Um grito coletivo

"Isso que é seu, é do coletivo agora, está todo mundo nas mesmas neuras". Foi assim que os amigos da Stela Ramos, 27 anos, influenciaram ela a compartilhar seus trabalhos na internet. A atriz, dubladora e designer começou um exercício diário de encontrar inspiração em pequenas coisas dentro de casa e assim nasceu o @triloggia, que consolida todas as neuras e, de acordo com ela, "conversa com o caos que estamos vivendo".

Nascido durante a pandemia, o perfil no instagram traz a seguinte biografia: "Para pausar o caos ou trazer ele mais para perto". Com uma estética minimalista e um tanto caótica, Stela materializa ali cenas cotidianas nas mais diversas perspectivas. Sem um processo criativo definido, ela trabalha com o aleatório. Para ela, "o óbvio tá sempre na nossa cara, mas a gente nem sempre quer ver. Eu gosto muito de trabalhar com isso." A única coisa constante é que as obras aparecem em trios de imagens, dando o nome ao perfil. Em um exemplo recente, Stela utiliza três imagens de labirintos diferentes, com frases diferentes e extremamente subjetivas.


O Museu do Isolamento publicou um vídeo de comemoração aos 100 mil seguidores do perfil, reunindo depoimento de alguns artistas que foram publicados por lá. Nele, Stela conta como a sua arte foi capaz de alcançar lugares que ela nunca imaginou, em um momento tão singular em que todos estão entre quatro paredes. A artista, que compartilha sua arte com os 446 seguidores do @triloggia, foi ainda mais longe com a publicação no Museu do Isolamento.

Em um momento que se encontrou sozinha e com mais tempo para prestar atenção nos detalhes da vida, Stela entrou em contato com novos sentimentos que ainda não sabia lidar. Sua solução foi traduzi-los em arte, o que ela não imaginava é que tantas pessoas se identificariam com o que estava ali. "Eu vejo o museu do isolamento como um grito geral... Se a gente pega o feed, eu pelo menos me reconheço ali em mais de 80% das artes", diz.



Arte e sentimento

“É sentimento. Quanto mais sentimento, mais você produz e mais tem sentido as coisas”, é assim que Igor Moreno, 24, enxerga a arte. Uma definição simples, mas profunda, de alguém que parece já ter começado a vida com lápis e papel na mão. Em junho deste ano, teve sua arte publicada no Museu do Isolamento.

A frase “a saudade me fez te desenhar no box do banheiro” nunca fez tanto sentido. Engatou um namoro em meio a pandemia e já fazia 100 dias que não encontrava a namorada.

Com o isolamento, o jovem artista relatou que, apesar de ter mais tempo livre, às vezes “não tem cabeça”. Antes da pandemia, Igor vivia cercado por gente e por ideias, no seu dia a dia como assistente de arte não faltava estímulos. Com várias opiniões e referências diferentes ficava mais fácil produzir, mas “sozinho é difícil botar fé em alguma coisa”.

Apesar de alguns bloqueios criativos ao longo do caminho, colocou muitas ideias no papel e surgiram alguns projetos pessoais, isso ajudou a lidar com todas as emoções e dedicar um tempo a si mesmo. Uma curiosidade sobre o seu processo criativo é a valorização do erro, “até forço para errar, porque é bom errar”.

As primeira tentativas são feitas papel, depois de buscar referências e entender mais sobre o que quer transmitir. O papel traz a liberdade de errar. O Igor não usa borracha, não se importa de produzir várias versões de um mesmo projeto, para ele isso faz parte do processo.

Igor comentou sobre o aumento de produção durante a quarentena, sobre a cobrança que os próprios artistas se colocam para produzir cada vez mais com o tempo livro e como a comparação com o outro pode “acarretar mais problemas ainda”, tanto num nível emocional, quanto criativo. Para ele ficou claro que a produção em massa, sem o sentimento, é inútil e garante que vai levar esse aprendizado mesmo após a retomada das atividades.



Museu EM isolamento X Museu DO isolamento


Muitas questões acerca do sucesso do Museu do Isolamento podem surgir, principalmente em relação aos museus tradicionais. Afinal, o que fez uma iniciativa no Instagram ter um alcance tão grande e as visitas virtuais disponibilizadas pelos museus não terem o mesmo impacto?

O primeiro aspecto é o formato e o meio. As exposições virtuais do Masp, Pinacoteca, Museu Nacional e tantos outros necessitavam de um computador. O modelo com que a visita era construída não permitia que as pessoas acessem pelo celular, por exemplo. Por mais que nesse momento as maioria das pessoas estivessem conectadas pelo computador o dia todo, devido ao home office, o celular ainda representa um meio de navegação mais prático.

Além disso, as obras do museu do isolamento retratam temas vivenciados pela maioria das pessoas, simultaneamente, durante esse período. Essa é a prova de que museu também vive de presente e, talvez, fosse isso que faltava para trazer a arte para mais perto das pessoas.

Outro fator é a simplicidade, já que mesmo temas profundos, são abordados de maneira acessível para todos os públicos, inclusive pessoas que não tenham formação artística e cultural prévia, como pedem algumas exposições mais tradicionais. Dessa forma, a identificação com a obra e com o artista acontece de maneira mais natural.


Florindo linhas para o futuro


Os museus da cidade de São Paulo voltaram a funcionar na segunda semana de outubro, o aval foi dado depois da cidade avançar para a fase verde do plano de flexibilização. Mas nesse caso, como fica o Museu do Isolamento? Ainda que o perfil carregue em seu nome um momento muito específico, sua proposta vai continuar funcionando a todo vapor.

Quando questionada sobre essa questão, a Luiza não hesitou em dizer que não isso não será o fim do projeto. Sua proposta, por mais que tenha surgido com o objetivo de levar a arte até as pessoas, - em um período em que elas não conseguiam ir até a arte - tem um propósito muito maior de dar espaço e voz para aqueles que não tem.

Para o Igor essa é a característica mais interessante do Museu. Como artista independente, ele sente que a cena é formada por "panelinhas", o que dificulta bastante o alcance do público. Ter um espaço mais democrático, que reconheça sua arte é muito importante. "Tem muito artista sumido, que ninguém sabe que existe. É uma proposta legal de colocar a arte na cara das pessoas".

Stela espera que o legado do novo museu digital seja quebrar barreiras, inclusive nos museus tradicionais. Para ela, a visita ao museu é como um culto, silenciosa e fria. Existe um distanciamento entre a obra e os visitantes, tanto físico, quanto emocional. “Espero que esse movimento consiga atrair pessoas pro museu físico e que quebre um pouco essa atmosfera sagrada, que deixe de ser elitizado e vire uma coisa de todo mundo, porque é”.

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