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Trancados dentro de si

Quem tem ansiedade sabe como o transtorno afeta a interação social. Com o isolamento durante a pandemia, os sintomas se intensificaram


Em suas crises de ansiedade, um dos impulsos de Izabella Curtolo é se machucar e arranhar o pescoço.

Perdendo o controle. Sem saber quem ela é. Se arranha. Se morde. Se machuca. Izabella Curtolo perde o ar enquanto tem a certeza de que o mundo inteiro está contra ela.

Ao longo da vida, isso se repetiu diversas vezes. Foram noites seguidas sem dormir, pensando no dia anterior e no que poderia acontecer no seguinte, não havia um momento de calmaria. “Sinto que perco o controle de mim mesma, que não sou mais eu. Quando isso se intensifica e estou mais nervosa, já começo a ficar sem ar e se agrava para um ataque de pânico.” Passando de seus próprios limites, Izabella procurou ajuda. Ela sabia que essa seria a única maneira de suavizar os sentimentos ruins que tinha no dia a dia sem ao menos entender o porquê.

Hoje, com consultas mensais num psiquiatra e dois medicamentos diários, a jovem de 24 anos ainda passa por crises e situações desconfortáveis por conta da ansiedade, mas afirma com certeza que o tratamento a ajuda: “Melhorou demais”.

Só que 2020 trouxe mudanças. A quarentena levou todos à beira do precipício. Esses e outros sintomas descritos por ela caracterizam um mal que assombra o século 21 e que se tornou ainda mais intenso com o início da pandemia de coronavírus. “Insônia, crises de choro, aperto no peito, medo de sair de casa, medo de se infectar ou de infectar o próximo”, explicou Isabel Cristina, psicóloga.

Izabella sentiu na pele a ansiedade afetar suas interações sociais. Começou a trabalhar em uma empresa metalúrgica nesse ano e afirmou que logo de cara as coisas não foram tão fáceis. Graças aos colegas que foram atenciosos, ela conseguiu se adaptar aos poucos.

O namoro também teve uma fase conturbada por conta do transtorno. “Vi uma diferença maior no meu relacionamento amoroso. Achei na internet vários blogs com dicas para quem tem um parceiro que sofre com ansiedade. Além de ajudar o meu parceiro a me entender melhor, me ajudou a ver que não estou sozinha”, contou.

Porém, no auge do estresse, com a necessidade de isolamento e as famílias passando juntas em casa muito mais tempo do que estavam acostumadas, Izabella se encontrou numa jaula. A convivência que já era difícil, se tornou inaceitável. Fugir dali era a única saída. Mas como você foge do lugar que deveria ser o seu refúgio?

Na busca por um novo apartamento, novos ares, uma briga se instalou. Discutindo com o pai, ela se perdeu. “Comecei a ter uma crise, saí chorando, me mordendo e arranhando meu pescoço.” E mais uma vez, o que deveria ser seu abrigo se tornou uma zona de guerra. A mãe agarrou seus cabelos e a puxou. “Gritei para minha irmã me salvar e fui libertada”, disse como teve a ajuda da irmã gêmea. Mas esse é o tipo de trauma do qual não se recupera tão fácil. “Quis me matar. Chorei por horas depois.”

A falta de conhecimento sobre essa doença leva à falta de apoio. Por não entender como realmente se sente um ansioso, a reação das pessoas ao redor acaba sendo oposta ao ideal. A psicóloga Isabel detalhou o que fazer ao presenciar uma crise. “A melhor maneira de ajudar é tentar se aproximar, oferecer companhia e escutar o que a pessoa tem a dizer, e em hipótese alguma se deve minimizar ou desfazer o sofrimento da pessoa que está em crise de ansiedade.”

A diferença que a família pode fazer num momento de crise é essencial. O período de isolamento social pedia por mais companhia e apoio do que nunca. Mas assim como Izabella, Felipe Cruz, de 22 anos, perdeu essa válvula de escape tão importante.

Foram os detalhes que fizeram o estudante e estagiário de economia perceber que algo não estava indo bem. Depois de um término de namoro, ele percebeu que os sintomas apareceram com mais frequência. “Impaciência exagerada, matar uma caixa de bis ou um saco de amendoim em dez minutos, morder caneta, na dificuldade de dormir cedo e até na dificuldade de concentração”, afirmou.

Quando começou a cumprir a quarentena em março deste ano, praticamente sem nenhuma interação social, as crises eram diárias. A pior delas o fez passar por duas semanas de noites mal dormidas, revivendo diversas situações na própria mente. “Realmente não conseguia dormir antes das quatro da manhã, não importava o meu cansaço. O resultado daquele período foi muita fadiga no meu dia a dia, o que virava motivo para mais ansiedade, pois não conseguia dar o meu melhor na faculdade ou no trabalho.”

Felipe tentou encontrar uma solução, mas a convivência ficou mais difícil. “Tentei chamar uns amigos em casa, mas acabei brigando com meus pais. Eles não sabiam o que eu estava passando. A briga acabou aumentando meu isolamento com a família”, completou.

O jovem perdeu o pouco que tinha de amparo familiar. Por não compreenderem o seu transtorno, os pais acabaram se distanciando e até agravando o problema. Foi em agosto que o estudante decidiu procurar ajuda profissional, e desde então, segue com acompanhamento psicológico e percebendo diferenças no próprio comportamento. “Vem diminuindo acho que principalmente com o tratamento. Não está como era antes”, comentou sobre suas crises.


Felipe Cruz encontrou nos jogos uma distração para lidar com os momentos ansiosos.

A distração sempre foi o principal porto seguro de Felipe. A interação social, tanto com família, quanto com os amigos, o ajudavam mais do que ele imaginava. Eram os momentos de descontração que ocupavam uma mente que agora costuma viajar em pensamentos ilógicos, circunstâncias desesperadoras e um futuro simplesmente desesperançoso. Isolado, ele contou que fica “pensando coisas malucas, imaginando situações. O coração acelera, dá vontade de chorar”.

Diagnosticado com grau médio de ansiedade, com a vida profissional e acadêmica afetadas, ele segue buscando por distrações em conversas e no videogame. As melhores opções que pôde encontrar. “Me concentro no jogo e esqueço o resto da vida.” Com a flexibilização da quarentena e a chance de rever quem ama, Felipe afirmou que se sentiu bem de novo. “Começou a melhorar, principalmente quando voltei a ver pessoas”, disse.

A ansiedade não é exclusividade de jovens como Izabella e Felipe. Adultos mais velhos estão sujeitos a passar pelo mesmo. Esse transtorno não distingue idade. “Acredito que a ansiedade está presente em todas as faixas etárias, temos desde crianças até idosos com diferentes quadros de ansiedade”, contemplou a psicóloga Isabel Cristina.

O problema pode afetar uma vida inteira. É isso que enfrenta Flávia de Moraes, de 42 anos, que foi diagnosticada 13 anos atrás e só descobriu que poderia ter ansiedade depois de uma crise nervosa acabar no hospital.

O acompanhamento médico se mostrou mais uma vez essencial. Há 10 anos, ela frequenta um psicólogo para amenizar os sintomas, e depois de tanto tempo, o controle do transtorno avançou bastante. “Hoje em dia quase não tenho crises, mesmo quando tenho é bem mais leve do que antes”, afirmou.

Professora e psicóloga, Flávia contou que em fases mais ansiosas, se afastava dos outros. “Em momentos mais agudos, evitava estar em lugares com muita gente, conversar com pessoas”, disse.

Como um monstro te engolindo, a ansiedade deixa para trás paranóias e uma distância do mundo. Lugares cheios são fora de cogitação, às vezes, nem mesmo uma conversa parece aceitável. Para a psicóloga Isabel Silva, o transtorno prejudica muito a vida social das pessoas. “Atividades simples e rotineiras podem se tornar algo muito difícil de encarar.” Flávia garantiu qual o aspecto da sua vida que mais sente ser afetado: “O social, o convívio com a família e os amigos”.


Flávia de Moraes afirmou que evitava conversar com outras pessoas por conta da ansiedade.

Se a interação era complicada, será que a falta dela poderia ser a solução? Ficou claro que não. A professora é mãe de um menino de seis anos e passou a quarentena com ele. Mesmo com a eficácia do seu tratamento, as coisas pioraram durante o isolamento social. “No início, tive crises quase que diárias, durante duas ou três semanas, algo que não ocorria há anos”, relatou.

Em casa, sem poder se comunicar pessoalmente com familiares ou amigos, e com a incerteza de onde a pandemia iria levar o mundo, se tornou necessário encontrar outros tipos de escapatória para evitar os momentos difíceis.

Enquanto Izabella procurou se apoiar no namoro e Felipe aproveitou a distração dos videogames, Flávia buscou nas aulas de canto e na jardinagem uma válvula de escape. Esse tipo de atividade para espairecer é fundamental e complementa a função e o efeito positivo que o tratamento especializado pode trazer.

Viver com um transtorno tão incompreendido é complicado, mesmo que seja um dos principais motivos de pessoas procurarem ajuda profissional. “Junto com a depressão, a ansiedade é um dos sintomas mais apresentados pelos pacientes que me procuram”, explicou Isabel. “Por volta de 40% dos meus pacientes possuem diagnóstico de ansiedade”, completou.

“Eu sempre indico o acompanhamento psicológico. Para aqueles que não podem pagar por um tratamento, sugiro que procurem atendimentos voluntários nas clínicas de psicologia das universidades, nas unidades básicas de saúde do município, nas ONGs. Nos casos em que os sintomas são mais graves, o acompanhamento psiquiátrico se faz necessário.”

Buscar ajuda é indispensável e as conclusões devem vir de um especialista. A falta de informação é inimiga. Isabel reforça que não entender sobre o assunto pode complicar as coisas para quem tem ansiedade e até para quem não tem.

“Algumas pessoas tendem a se autodiagnosticar com ansiedade por apresentarem alguns sintomas que são condizentes com o momento que estão vivendo e se automedicar.” Sintomas de ansiedade são comuns em situações que causam preocupação, porém, só quando persistem por um grande período e afetam a rotina, podem realmente significar a presença do transtorno.

Enquanto esses sinais são aumentados na perspectiva de uns, outros veem os problemas sendo minimizados. “Algumas pessoas apresentam sintomas sérios de ansiedade, mas não são levadas em consideração pelas pessoas que a rodeiam. Muitos consideram ‘frescura’, ‘falta de vontade’, ‘exagero’ os sintomas apresentados, levando o sujeito com ansiedade a não ter o apoio necessário”, finalizou. A psicóloga mostrou as duas linhas que devem se encontrar sempre em possíveis casos de ansiedade: o olhar profissional e a ajuda de familiares e amigos.


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