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Refúgio da Covid-19

Atualizado: 30 de nov. de 2020

Era um dia normal de semana. Estava planejando fazer uma entrevista para minha aula de Audiovisual, conversando com o meu grupo sobre a personagem. Muitos de nossos contatos foram cancelados por conta do perigo da recém-decretada pandemia, mas, por sorte, ela quis continuar com o planejado. Quando voltei para casa, em São Paulo, meu pai e minha mãe estavam conversando sobre a possibilidade de a situação piorar. “Vamos para Gonçalves”, meu pai disse. “De lá, pensaremos melhor sobre isso.”

A casa em Gonçalves é grande, construída em uma colina a um quilômetro do centro da cidade. Pela vista da janela da sala se pode avistar a pequena cidade até seu portal, ao longe as montanhas da Mantiqueira brilhando junto com o nascer do sol. Somos cercados pela vegetação da mata atlântica, possibilitando o contato com diferentes espécies de pássaros: pica-pau-do-campo, maria-faceira, gralha-picaça e até tucano apareceu para dar uma visita. E, para complementar, o som suave do vento passando pelas folhas das árvores.

Dias depois, vimos que a melhor opção seria ficar na pequena cidade até que a situação melhorasse. A previsão seria em maio. Mudou para junho, julho, agosto e setembro. Durante esse tempo, acompanhei como Gonçalves lidou com a pandemia de Covid-19. De vez em quando, eu iria voltar para São Paulo para tratar assuntos que só poderiam ser feitos na grande metrópole.

Gonçalves é uma pequena cidade com mais de 4 mil habitantes que depende essencialmente do turismo como forma de renda. O fechamento da cidade por completo aconteceu em março e parou a movimentação turística e todas as atividades da cidade. Assim, a prefeitura municipal teve que medir por quanto tempo a cidade podia ficar fechada para impedir que o vírus chegue sem que prejudique demais os negócios locais.

Fazer com o que tem

Antes da pandemia, Gonçalves atraía os moradores de São Paulo e outras cidades, em torno de mil visitantes durante os finais de semana, para ver suas cachoeiras e montanhas e ter contato com a cultura regional mineira em restaurantes e pousadas. A cidade disponibiliza um vislumbre de como é viver na roça para aqueles que moram no ambiente urbano. Em 2015, eu e meus pais viemos pela primeira vez para conhecer após um imprevisto ter acontecido nas férias de janeiro. Meus pais ficaram encantados com o lugar, fizeram novas amizades e logo decidiram querer um dia morar lá quando estiverem aposentados. Embora ainda não aposentados, eles tiveram a experiência de como seria esse cenário em 2020.

O fechamento da cidade para turistas mudou completamente a vivência em Gonçalves para os moradores e, principalmente, para o comércio local. Pousadas, restaurantes e lojas se mantiveram fechadas por três meses por conta das normas de segurança. A prefeitura municipal, embora tenha sido precavida em determinar essas medidas, não tinha muitos recursos para manter um fechamento como teve. Barreiras sanitárias foram postas em alguns pontos de entrada, enquanto algumas estradas de terra foram bloqueadas com tratores fazendo crateras para impedir o fluxo. As barreiras paravam qualquer carro que vinha e só deixavam entrar quem morava oficialmente em Gonçalves. Para manter a higiene dos moradores, foram postos totens de álcool em gel e cartazes alertando os riscos do novo coronavírus pelas ruas no centro da cidade. Todos eram obrigados a usar máscaras enquanto estavam fora de casa.

Porém, os moradores da cidade ainda puderam sair e visitar outras cidades vizinhas, como a de Paraisópolis, Minas Gerais. Gonçalves não tem uma unidade de saúde capacitada para o tratamento de pessoas com a Covid-19. O hospital de atendimento mais próximo fica a uma hora de distância, em Itajubá, sem contar com o tempo que uma ambulância leva para chegar na casa da pessoa. As crateras feitas em estradas de terra ainda estão lá, mas com desvios pelas laterais possibilitando o caminho de pessoas e até motos vindo de cidades vizinhas ou mesmo de Gonçalves.

Ainda assim, Gonçalves ficou meses sem registrar um caso de contaminação por coronavírus, podendo reabrir após três meses de quarentena, mas com diversas medidas de distanciamento social, proibição de funcionamento de áreas comuns e uma capacidade limitada de 30%. A má notícia veio quando o primeiro caso de Covid foi confirmado em uma terça-feira, algumas semanas após a reabertura gradual.

Isso não impediu o processo da reabertura: Gonçalves continuaria a relaxar suas medidas em estabelecimentos, pousadas agora podendo voltar a 100% da capacidade. A vinda de turistas aumentou, o mesmo número antes da pandemia, e pontos turísticos como cachoeiras foram abertas para o público. Algumas das barreiras sanitárias foram desativadas, sendo uma das únicas que restaram está na estrada que leva para o portal da cidade.

Quando voltamos de um período de duas semanas em São Paulo, éramos parados pela barreira sanitária na direção do portal. Os fiscais tiravam nossa temperatura e perguntavam o que iríamos fazer na cidade. Depois de outras vindas, o procedimento tinha relaxado com apenas a checagem de temperatura. Quando fomos para São Paulo antes das eleições municipais, tivemos uma surpresa: a barreira estava vazia, aparentemente desativada como outras.

Uma economia de turismo

Os negócios locais dependem da vinda de turistas. Gonçalves é um ótimo lugar para fugir da cidade grande e ter um contato mais próximo da natureza e da cultura rural mineira. Nas manhãs de sábado, havia uma feira chamada “Orgânicos da Mantiqueira” onde se há a venda de alimentos orgânicos e produtos artesanais com comerciantes locais. Havia também o “Café na Roça” dentro do espaço da feira, um bom lugar para se tomar um café e comer um bolo de cenoura para aqueles que chegam à cidade pela manhã. Infelizmente, a Covid-19 obrigou as pessoas a ficarem em suas casas e dar uma pausa em alguns desses prazeres. A feira continua fechada por tempo indeterminado por conta da Covid-19, mas ainda está fazendo entregas de produtos orgânicos para seus clientes.

Uma das cachoeiras mais frequentadas em Gonçalves é a do Cruzeiro, uma queda d’água larga com uma parede rochosa e uma pequena piscina natural em seus pés. Para chegar lá, é preciso fazer uma trilha de dez minutos começando por outra chamada Sete Quedas. Após uma caminhada tranquila pelo mato e vendo o fluxo do rio e outras pequenas quedas, você chega na cachoeira. Apesar de sua água ser gelada, muitos que vêm logo entram para experimentar. Alguns até se encostam na parede da cachoeira para sentir a queda em suas costas, dizendo a sensação de hidromassagem que tem. Infelizmente, sua visitação foi interrompida com o anúncio da pandemia, encerrando todas as atrações naturais de Gonçalves.

Enquanto a cidade estava fechada, os comerciantes, donos de restaurantes e pousadas tiveram que avaliar como eles poderiam lidar com essa crise e não fecharem de vez. Tiveram que reduzir gastos, achar soluções em como operar de maneira segura no meio da pandemia para que pudessem continuar ativos.

Saulo Oliveira, dono do albergue “Paleobergue”, estava com problemas para pagar as contas. Por isso, fez uma campanha online chamada “Paleomoedas”, uma campanha em que a pessoa pudesse doar o que pudesse de dinheiro e esse dinheiro fosse convertido em crédito para ser usado assim que o estabelecimento abrisse novamente. Enquanto fechado, o albergue passou por uma reforma para se adequar às normas de segurança, como a mudança do banheiro coletivo e a criação de outros quartos.

Isabel Lira, dona da pousada “Bicho do Mato” e do restaurante “Sauá”, teve que fazer seu primeiro empréstimo após 18 anos desde a inauguração do negócio por conta da pandemia. Buscou informações em como a pousada pudesse funcionar de maneira segura e equipamentos de higiene e proteção para seus funcionários. Atualmente reaberta, a pousada opera em 50% da capacidade, usando quatro dos oito chalés disponíveis para hóspedes, e apenas aceitando reservas antecipadas para visitantes. Os horários de alimentação são programados por hóspede para limitar o número de pessoas no restaurante. Quando um chalé é desocupado, há um processo de limpeza e desinfecção que dura 2 semanas por conta do uso de produtos químicos.

Para saber mais do cenário turístico da cidade, conversei com Vera Pena, responsável por eventos culturais em Gonçalves. Ela disse que todas as atividades culturais e turísticas haviam sido canceladas com o fechamento da cidade. Curiosamente, o artista plástico, Diego Mouro, estava pintando o muro da praça municipal, homenageando a congada de São Benedito, uma festa religiosa regional, e a semana em que houve o fechamento era sua última tentativa de terminar seu trabalho que tinha começado em novembro do ano passado. Ao saber do decreto, Diego teve de parar o processo. Talvez esse ato tenha desencadeado a preocupação do que estaria por vir. Quantas coisas teriam que ser interrompidas por conta da pandemia? Quantas oportunidades seriam jogadas de lado? Por quanto tempo?

A reação das pessoas

A opinião dos moradores sobre as ações da prefeitura foi boa, mas não perfeita. Embora tenha sido bom o fechamento da cidade, alguns disseram que foi vago quanto aos negócios de turismo como pousadas porque tiveram que agir por conta própria. Também pareceu ineficaz já que os moradores da cidade ainda podiam sair, visitar cidades vizinhas e voltar.

Sendo uma cidade pequena e rural, o papel da secretária municipal foi importante na conscientização sobre a crise. Mesmo não apresentando casos confirmados de coronavírus, os moradores ainda usavam máscaras e praticavam o isolamento social. Claro, havia exceções, mas é incrível como uma cidade em um país politizado quanto o uso de máscara possa impedir a disseminação desse vírus.

A prefeitura criou um aplicativo de ouvidoria para receber solicitações de moradores com o nome de EOuve. O aplicativo serve para facilitar a comunicação dos habitantes de Gonçalves com a prefeitura e, durante a pandemia, serve como uma ferramenta de denúncia para aglomerações ilegais na cidade, como por exemplo um grupo de pessoas se reunindo em uma cachoeira fechada para visitação.

Quando perguntados sobre se achavam se a prefeitura fechasse novamente caso houvesse um surto da Covid-19, disseram que não porque não acham que a cidade e o comércio local sobreviveria uma nova temporada de total isolamento. O maior medo de todos no momento seria a notícia de um novo período de fechamento para conter uma segunda onda.

Irei passar meu fim de ano em Gonçalves, ainda só com meus pais e desejando que o ano seguinte seja melhor do que os últimos anos e, especialmente, melhor que o ano de 2020. Se esse ano depressivo nos ensinou alguma coisa foi que não há razão em adiar algo se pode ser feito hoje. Então, caro leitor, fique bem e se proteja para aproveitar a festa pós pandemia. Um bom ano de 2021 para você.


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