top of page
  • Bárbara Sousa e Julia Beraldi

Entre Ossos e Curvas

O conceito de “estar acima do peso” não é recente, o termo obesidade sempre foi usado para classificar aqueles com gordura excessiva no corpo. O termo Gordofobia, entretanto, é extremamente atual e tem como contexto uma série de acontecimentos que fortaleceram a ideia do corpo ideal, exclusivamente magro, que deve ser almejado pelas mulheres. Esse movimento fez com que esses kilos a mais não apenas se tornassem um símbolo de pouco cuidado com a aparência, como também se tornou um fator determinante para a vida das pessoas, em certas situações.

O corpo gordo foi excluído de todas áreas da sociedade, inclusive no mundo da moda. Pensando nisso e em como são as roupas no Brasil, é importante deixar claro que mesmo com 52,5% da população acima do peso, segundo o Ministério da Saúde, essa indústria, que movimenta R$ 7 bilhões ao ano no país, de acordo com a Associação Brasil Plus Size, prefere trabalhar somente com os manequins até 44, colocando os corpos gordos fora da jogada, ou seja, fora no mercado da moda, configurando assim, a gordofobia no meio.

No mundo das passarelas, a situação fica ainda mais tensa, já que desde a ascensão de Twiggy nos anos 60, a ditadura da magreza só piorou. Tendo suas primeiras pinceladas de qualquer revolução quando em 1997, Gisele Bundchen com apenas 14 anos subia pela primeira vez nas passarelas de Londres.


Por volta de 2010, Kim Kardashian, Nicki Minaj e outras celebridades trouxeram uma perspectiva ainda mais voluptuosa de “corpo perfeito”, partindo para a era do fat ass (bunda gorda), caracterizado por traseiros avantajados que trouxerem um brilho no olhar para as meninas curvilíneas que agora poderiam dizer que tem orgulho de seus corpos.

Mas não se engane, ainda que os padrões de estética tenham mudado desde 1990, o que vivemos hoje está longe de ser o ideal, que seriam todos os corpos aceitos; porque sim o padrão mudou, mas ele nunca deixou de existir. Ícones da moda e beleza hoje mostram uma figura avantajada, mas o adjetivo “gorda” ainda é visto como algo negativo, relacionado ao relaxamento e descuido com a autoimagem, já que os traseiros podem ser gordos, mas as cinturas jamais!



O início de um movimento


Escancarando esse preconceito, a consultora de moda e empresária do ramo plus size, Orjana Baroni, diz que a gordofobia está presente em diversos lugares e que “até lojistas também, às vezes colocam uma faixa escrito ‘trabalhamos com tamanho especial’, e na hora que você vai olhar a vitrine só tem manequim magro, não tem um manequim plus size”; ela ainda completa dizendo que os donos de loja que falam que trabalham com tamanhos plus, vão apenas até o GG Slim, que são para pessoas magras, e não gordas de fato.

Atualmente, é possível ver um maior número de modelos e lojas que produzem roupas plus size, mas como diz a designer de moda Sarah dos Anjos

Já que você tem visto algumas modelos gordas, você tem visto algumas lojas aumentando sua grade de numeração, isso não quer dizer que a gordofobia esteja diminuindo”.

De acordo com ela, isso acontece em parte por causa do capitalismo, pois o mercado percebeu que as pessoas gordas consomem, e assim, mais roupas estão sendo feitas para esse público, ela ainda completa dizendo que a moda inclusiva está sendo feita mais por marcas independentes.

Cores, Formas e Padrões


Como já dito antes a indústria plus size é bem jovem, no Brasil, foi em 2010 que ela entrou oficialmente para o Calendário da Moda Brasileira, com a Fashion Weekend Plus Size, idealizado por Renata Vaz e sofreu seu boom por volta de 2018, e tendo um aumento de 8% no passado, este segmento está melhor do que nunca aqui no país.

Sua inserção na moda completou uma década, mas ela ainda é falha e muitas vezes lojas que adotam um manequim acima do 44 seguem um padrão de modelo que foge dos corpos gordos reais, se sustentando naqueles considerados fora do padrão, mas ainda sim aceitáveis socialmente.


Como tá mudando, eles vão pegar o mais próximo do modelo magro ou do modelo desejado que tem, por isso nós vemos mulheres com o tipo de corpo, que a gente chama de ampulheta, que é o quadril mais largo, cintura fina, com pouca ou quase nenhuma barriga”.
- Sarah dos Anjos.

Além disso, a designer ressalta que muitas pessoas ainda veem o uso de corpos fora do padrão, para promoção de marcas, como um marketing negativo, já que não corresponde ao que o público gostaria de ver e ao que é imposto como belo, então esse também seria um fator para não vermos, ainda, corpos tão grandes e reais.



A inclusão é importante e faz com que as pessoas se identifiquem e se sintam parte da sociedade, e também acaba fazendo com que surjam modelos para os outros se inspirarem. Foi com o objetivo de inspirar, trabalhar a autoestima das mulheres e gerar identidade, percebendo que mulheres gordas não conseguiam ter seu próprio estilo, que Orjana Baroni abriu sua loja Carlotta Plus Size.

Sendo também consultora, ela fala que em sua loja oferece um atendimento exclusivo, no qual ela mostra para a cliente todos os tipos de corpos e “eu explico como identificar qual o seu, quais roupas ficam melhor, quais evitar, dicas e truques…”. Além do atendimento, a sua loja também possui modelos e atendentes com biotipos e idades variadas.


Bea Peca, consultora de moda plus size e digital influencer, afirma que esse boom da moda plus trouxe a necessidade das marcas em criar manequins maiores, expandindo sua gama de estampas e cores mas sem deixar de lado as peças mais clássicas.


Vestir-se é necessidade. TODOS têm o direito de se vestir, não importa o manequim.”
- Bea Peca.

A consultora deixa claro que uma marca que faz seu cliente se sentir representado pela variedade de corpos e etnias, entrega um preciosismo fundamental no marketing moderno, o valor social que a marca representa.


A moda conta a história de nossas vidas. Por isso é muito importante poder vestir, é social, político, expressivo e histórico.
- Bea Peca

A Indústria da Moda


O ramo da moda tem muitas falhas em questões de diversidade de corpos, como já foi apontado, mas isso é resultado de algo implementado aos designers e estilistas desde o início. Katharine Coelho é formada em moda e ela declara que na sua turma era a única aluna gorda, e que entrou nesse ramo exatamente para “poder trazer essa diferença e na verdade eu ser essa diferença”.

Além da maioria das pessoas da área serem magros, e ter pouca representatividade gorda, Katharine também conta que quando se entra em um curso de corte e costura, os moldes que você recebe das roupas, são de tamanho 34, então desde o início os profissionais são induzidos a confeccionar peças para pessoas magras.

Na visão da fã de moda e seguidora de tendência Maria Carolina Muniz, 25, a questão da inclusão de gordos nessa indústria é como se fosse um sistema de cotas. De acordo com ela, algumas marcas aderiram a sessão plus size em suas lojas, pelo simples fato de perceberem que há um público para isso e é algo que está sendo requisitado, mas ainda assim é seletivo, pois não é acessível e não atinge todo o público gordo.

“Eles colocam uma pessoa plus size, pra dizer que tem, uma peça plus size, pra dizer que tem. Então eu não acho que seja uma inclusão verdadeira.”
- Maria Carolina Muniz


Inclusão e Representatividade


A inclusão na moda vai além das marcas e das roupas, veículos dessa área também têm um grande papel na quebra de padrões e na aceitação das pessoas gordas.

A revista Vogue, aqui no Brasil, começou a se posicionar contra os padrões estéticos impostos e tem demonstrado inclusão nas suas matérias, capas e posts em redes sociais. A revista tem se preocupado em mostrar o corpo gordo da mesma maneira que mostrava os corpos magros. No ano de 2019 a Vogue começou a produzir mais matérias com pessoas gordas, abordando o preconceito e questões de aceitação e autoestima. No ano de 2020, trouxe mais conteúdo inclusivo e anti gordofobia, mas para além do site, o número de matérias e de postagens no Instagram, com fotos de pessoas gordas aumentou.


Comparando com o conteúdo geral da revista, a presença do corpo gordo ainda é pouca, mas já é um grande passo uma das maiores revistas sobre moda começar a repensar sobre os próprios padrões que ela propaga. A Vogue é um dos veículos de maior referência sobre moda, e é extremamente importante ela trazer representatividade para pessoas que, por décadas, foram excluídas dessa indústria.

No mês de novembro de 2020, a Vogue lançou três capas com mulheres gordas estampando, que são a modelo Rita Carreira e as cantoras Duda Beat e Preta Gil. As capas celebram o movimento corpo livre, que é em prol da quebra de padrões estéticos e a normalização do corpo gordo.



Moda e Autoestima


Se vestir com certas roupas é considerado por muitos um tipo de expressão, algo que externaliza a personalidade. Tendo isso em mente, a inclusão se torna muito importante, porque é como fala a estudante de veterinária e modelo plus size Julia Queiroz:


A moda, quando inclusiva, pode gerar um impacto grande na vida da pessoa, pois muitas a moda como um meio de trabalhar a autoestima e a autoaceitação. Para a arquiteta Marina De Nadai “o impacto é grande, percebo que minha autoestima é muito ligada a ela (a moda), porque quando não consigo refletir minha personalidade no meu estilo, me sinto muito frustrada.”

Para outras pessoas, como a diretora de arte Victoria da Silva, ela serve como se fosse um de seus pilares de sustentação e autoaceitação


“moda pra mim, é meio que uma válvula de escape sabe, a partir do momento que eu compro uma roupa que eu me sinto bem, e que tipo, faz eu não me importar com o que os outros vão pensar, já aumenta muito a minha autoestima.”
- Victoria da Silva

Dessa forma, a moda inclusiva e a luta contra a gordofobia, dentro deste meio, tem um papel importante na vida das pessoas, e pode ser uma oportunidade de autodescobrimento, aceitação e melhora no bem-estar das pessoas gordas. Mas ela também vai além disso, a inclusão é sobre normalizar e posicionar o corpo gordo não somente nessa indústria, mas sim na sociedade como um todo.


A moda serve como a tinta da tela que seria nossas formas, assim uma moda inclusiva dentro dessa analogia seria ter cada vez mais pincéis e tintas disponíveis para todos nós.

A artista plástica Ana Silviano Brandão, 23, já passou por alguns transtornos alimentares ao longo adolescentes, odiando seu corpo e suas formas, passando por um longo processo de aceitação até chegar aonde chegou. “Eu passei por isso tudo até chegar aonde cheguei, até que eu decidi me curar e buscar o amor próprio”; hoje Ana trabalha muito suas formas, sendo a sua principal renda, mas a mesma ainda afirma que as pessoas têm muito para crescer, sendo alvo de diversos olhares negativos, afirmando que “existem muitos haters na internet”. Ainda que a artista hoje lide muito bem com a situação, o processo de auto aceitação é pessoal de cada um.


Para todos que lerem esse texto, é importante ficar claro que se amar, assim como a evolução de todo um movimento que incentiva o amor próprio, vem aos poucos, em passos mais curtos, mas que no fim da caminhada, fazem com que cada atinja sua verdadeira forma, a de pessoas felizes em corpos felizes.

4 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page